14 setembro 2008

Itália - uma viagem de moto

Uma forte dor nas costas podia colocar em risco a partida. Apesar de ter alguma tendência para evitar as idas ao médico até ao limite, desta vez nem pensei duas vezes. Fui ao meu médico, também ele amante de viagens, para avaliar o problema, por entre a habitual conversa sobre destinos e passeios. Fui entretanto fazer umas radiografias. Bem vistas as coisas, o problema era muscular e a opção que tomamos, apesar da recomendação de fisioterapia, foi um tratamento mais convencional, que poderia levar-me a recuperar até à partida. Nos últimos dias já conseguia segurar a moto, quase sem sentir dor. No último dia antes da partida, a dor desvanecera e era apenas uma memória. Estava tão bem que até me esqueci de levar os antipiréticos “SOS”. Felizmente não precisaria deles!

Quinta-feira – noite anterior à partida – até parecia que não íamos rumar até uma das pontas da Europa, de moto. Era uma noite como qualquer outra, sem sobressaltos ou expectativas. O sono chegou como se de uma qualquer noite se tratasse. Na anterior tínhamos tomado a decisão (depois de um café em casa do Francisco e da Leta) de partir logo sexta-feira, depois de terminar o dia de trabalho, em vez de sábado de madrugada.

O sono veio e a noite passou. Na sexta-feira, uma manhã como qualquer outra, lá fomos para um último dia de trabalho antes das tão esperadas férias “grandes”. O dia correu como suposto e lá acabamos por chegar a casa. A tralha previamente acondicionada nas malas, com uma ou outra coisa de última hora por escolher; a moto também já preparada para arrancar, foi chegar e, pouco depois das 20 horas, estávamos rolar…

Para quem ia para tão longe, até nem preparamos a viagem. Esse era, de resto, um dos objectivos: o mínimo de preparação para o máximo de emoção. Afinal, tratava-se de uma aventura! Partíamos apenas com o ferry marcado, assim como as primeiras noites em Roma. Tudo o resto seria sem rede. E foi!

A poucos quilómetros de Faro, já na Via do Infante, parámos para abastecer e verificar a pressão dos pneus. Sentíamos uns cliques estranhos por baixo da moto, a cada irregularidade mais forte do piso. Algo que incomodava mais a alma que outra coisa. O que seria?! Bom: atestado o depósito, pneus em condições, lá seguimos. Cerca de 200 quilómetros depois, a moto entra subitamente na reserva e, por não ser hábito, parei logo que surgiu um posto de abastecimento (daqueles que nos levam para fora da auto-estrada) numa pequena localidade andaluza. Por azar acabara de fechar. Abri o depósito e vi o fundo reluzente, quase seco. Ainda parámos junto de um restaurante, questionamos um dos empregados sobre como poderíamos obter combustível, mas foi tão prestável como uma porta.

Por sorte, um pequeno hotel a 100 metros deu-nos algum alento. Entramos e o proprietário, também motociclista, depois do check-in, preparou as coisas para facilitar a nossa saída, porque queríamos partir bem cedo, assim que o posto de abastecimento abrisse ao público. Antes de sair de casa, tinha colocado um pouco de óleo na moto (ficou ligeiramente acima do máximo). Como percebo tanto de mecânica como de engenharia aeroespacial, pensei que pudesse ser disso, já que a moto tem uma autonomia acima dos 350 quilómetros… e a reserva acendeu muito antes disso!

Pedi ao dono do hotel um recipiente e lá desmontei a carenagem de baixo, abri o parafuso do óleo e deixei sair um pouco… claro que não mais consegui fechar e acabou por sair todo. Enquanto jorrava, reparei que um cabo de aço, revestido a borracha, que prendia os sacos, dando-lhes mais alguma segurança, assim como às malas laterais, tinha-se partido e provocado o estranho toque que sentíramos antes, ao passar na roda dentada do braço traseiro. Fui obrigado a remover o cabo.

Para reintroduzir o óleo foi outro problema. Sem funil, a altas horas da noite, improvisei-o com um saco “ziploc”. Cortei-lhe um dos cantos… funcionou!! Ainda conseguimos dormir umas três horas, sempre a pensar que não conseguiríamos chegar a horas de embarcar no ferry em Barcelona. Ainda pensei em desistir e regressar. A Sandra foi fundamental para continuarmos a viagem. Ela é que deu força, apesar de ter mais incertezas que eu. Era a força que precisava para traçar novos objectivos e apontar as agulhas, depois de consultar o receptor de GPS. Seria apertado, mas tínhamos hipóteses.

Partimos para a bomba, que abria às 6h da manhã! Atestamos e fizemo-nos à estrada. Afinal, tinha gasto mais que o normal, pouco acima de 6 litros, mas nada que nunca tivesse feito. Com a luz do dia, reparei que a curva do depósito me enganara, escondendo o resto dos litros. Depois desse ponto, as médias foram regulares, mostrando que o problema mecânico tinha sido apenas um consumo mais elevado, face à velocidade que íamos, um pouco acima do nosso normal. Dali correu sem incidentes, com a moto numa velocidade estabilizada e a fazer médias superiores a 6 (quando o normal anda na casa dos 5); chegou a fazer 7 litros/100 km! Ao quarto depósito, já fazia médias de 5 litros e pouco. O receio de falhar o ferry começava a desaparecer.Fomos por Madrid. Chegámos a Barcelona a horas e conseguimos (por pura sorte) embarcar. Primeiro foram as obras junto ao porto, que tornaram o receptor de GPS inútil, já que os desvios eram mais que muitos e foi necessário perguntar pela direcção várias vezes. Até que uma das pessoas nos explicou como chegar ao cais de embarque. A desorganização era grande que só por acaso descobrimos que tínhamos de converter os bilhetes comprados ao operador, através da Internet, em talões (antes não era necessário e o bilhete não referia isso); para piorar, quando chegámos ao local de embarque, um funcionário disse-nos para esperarmos por ali, pois o embarque seria feito uma hora antes da partida. Achamos estranho, já que éramos poucos e o bilhete referia duas horas. Ainda conseguimos entrar dentro da zona do barco, com a moto e tudo, por uma pequena entrada, até sermos redireccionados para a bilheteira. Conseguimos entrar, com uma moto e malas, num cais de embarque internacional!!! Segurança fantástica… enfim. Convertidos os bilhetes, lá embarcamos, apenas a 15 minutos da hora marcada para o barco partir. Mas ainda atrasou uma hora, tal era a confusão nas bilheteiras.O ferry é relativamente grande, só tinha andado em “bichos” maiores que este nos países nórdicos. Com casino, restaurantes, piscina e muito movimento, deu para começar (e dar um grande avanço) no único livro que levei para a viagem: a biografia de “D. Afonso Henriques”, de Freitas do Amaral (sem contar com o roteiro American Express Itália). Tinha-me sido oferecido por um grande amigo, apenas uns dias antes. Sem grandes sobressaltos, chegámos finalmente, mais de vinte horas depois, a Civitavecchia. Dali ainda fomos ver o forte e os molhes. Pouco depois, fizemo-nos à estrada direitos a Roma.

Fomos por uma estrada nacional, com uma faixa para cada lado, que não permitia velocidades acima dos 70 km/ hora. E eram difíceis de fazer, já que o trânsito constante e os cruzamentos dificultavam a ultrapassagem. Comecei a reparar e começámos a falar pelos intercomunicadores sobre os motociclistas italianos (muito mais scooters do que motos, não estivéssemos em Itália). Eram malucos! São malucos, raios! Ultrapassam por qualquer lado. Direita, esquerda, quando estamos em plena ultrapassagem, também pela nossa direita ou esquerda. É-lhes indiferente, o que interessa é passar. Uns 30 quilómetros depois, percebi que a condução aqui era diferente e decidi que ia experimentá-la. Afinal, em Roma, sê Romano!! E resultou, finalmente comecei a avançar e a ultrapassar convenientemente. Antes de chegar a Roma, vimos um acidente entre uma moto de pista e um carro ligeiro. Estava a provocar filas de trânsito imensas. Muitos quilómetros. Mas nesse ponto já tinha assumido a condução à italiana e lá seguia por entre os carros, pelas bermas, de uma faixa a outra, enfim, juntamente com as muitas dezenas de motos, passávamos aquela provação com relativa facilidade. Tive sempre um cuidado redobrado, sempre a olhar para os espelhos.Com a zona do hotel no receptor de GPS, lá o encontramos. Mas que fome; precisávamos de tomar um banho. Logo na entrada, um aviso indicava não haver água, uma qualquer rotura limitava os banhos. Azar. Porra, depois de tantas horas, o banho era mesmo o que precisávamos para recarregar baterias. Um simples duche já nos parecia um luxo! Fizemos o check-in e antes de nos dirigirmos para o quarto, com receio da resposta, resolvi perguntar pela hora a que a água seria ligada. Afinal, já tinham resolvido o problema. Uff! Ainda bem, pensámos. O meu olhar cruzou com o da Sandra e percebi que era um peso que nos tinham tirado de cima. Iríamos tomar o nosso banho. Merecido! Depois, descansámos os ossos e já com o sol a cair, dirigimo-nos à recepção e pedimos referências de restaurantes. Por sorte, a cerca de 400 metros do hotel, existia um, recomendado pelo nosso recepcionista favorito, um romeno que falava um inglês ao estilo do Texas, muito simpático, que contrastava com os Italianos, muito pouco simpáticos. Ainda por cima dava para caminhar até lá! Gostamos, das entradas, às massas, passando pelo vinho; voltaríamos lá na noite seguinte.

De manhã, cedo, pequeno-almoço tomado, lá partimos à descoberta de Roma.

A cidade mais moderna contrasta com a mais antiga. Mas numa simbiose perfeita. O tamanho das ruínas, os edifícios monumentais, as igrejas, tudo era feito à romana: enorme e magnífico. Ali percebe-se como é que um povo tão pequeno conquistou a Europa, as costas de África e parte do Médio Oriente. Um feito. Como deixámos o monumental Coliseu para depois, começámos por visitar as ruínas e museus adjacentes, com menos pessoas. Quando regressámos, o Coliseu estava apinhado de gente. Largas centenas de pessoas faziam uma fila relativamente organizada para entrar. Voltaríamos à tarde, não estávamos para aturar filas ao sol.

Dali seguimos para ver mais uns museus, umas igrejas e absorver toda a cultura e história, que explode na nossa frente a cada virar de esquina e nos assoberba os sentidos. Parte da nossa história foi feita por aquele império e decidido em edifícios destes.

O almoço, já tardio, fez-se numa das zonas nobres da cidade e o ar condicionado, mais que a comida, que estava óptima, foi o que mais apreciei. Estava muito calor.

Mais museus, mais igrejas, mais edifícios, fontes, centenas de fotos depois, regressámos ao hotel. O dia seguinte estava reservado para a Cidade-Estado do Vaticano e zona circundante.

O que é que se pode dizer do Vaticano: a grandiosidade é algo que mesmo para mim, que sou ateu e já conhecia a cidade, me levou a bloquear os sentidos ante aquele espectáculo intemporal. Há centenas de anos atrás, face à imponência dos edifícios, das colunas e de tudo o que nos envolve, seguramente que a divindade era um assunto sério e queriam impor respeito (ou temor). Este conjunto torna-nos pequenos.

A Sandra foi impedida de entrar por um dos seguranças do corredor de entrada. Ficou furiosa, já que os calções-saia não eram assim tão curtos. Os meus tinham quase a mesma medida e ninguém me disse nada (o que sinceramente não me surpreendeu, mas enfim). Dirigi-me ao segurança, com o meu peito cheio de ar, engrossando a voz, e perguntei-lhe se ela poderia usar as casas de banho para trocar, ou, caso contrário, trocaria mesmo ali, na frente de todos. A troca consistia em vestir umas calças por cima, mas foi o suficiente para nos deixarem passar. Feita a troca, subimos até à Basílica de S. Pedro e ao museu da capela.

Circundando os altos muros de tijolo da Cidade-Estado, chegámos ao Museu do Vaticano. Um museu surpreendente e cheio de arte, sacra e profana. Conhecendo um pouco de história e das estórias que envolvem a profusa e contraditória doutrina (e praxis) católica, vi com outros olhos parte da arte. Por exemplo, numa câmara com mais de 100 metros de comprimento estava disposta estatuária para todos os gostos. Centenas. Algumas, do período mais negro e retrógrado do Vaticano, tinham os pénis partidos (uii!!) a escopo, alguns com uma parra colada, mas a maioria simplesmente “mutilados”. Não deixa de ser interessante que os peitos femininos estivessem desnudados… ali ninguém mexeu… ninguém tapou… ainda bem…

O ponto mais alto para muitos, os frescos de Michelangelo, na Capela Sistina, não foram absorvidos com a calma necessária, já que um dos seguranças gritava a cada minuto para todos se calarem. No limite, era ele que nos incomodava, já que os murmúrios eram baixos e não incomodavam ninguém. Ele sim. Forçou-nos a desistir e seguir viagem. Mas sem dúvida uma das salas anteriores, pintadas por Rafael, a que preferimos, bem mais interessante.

Saímos, almoçamos e seguimos o nosso périplo por Roma. Vimos as escadas espanholas e a respectiva fonte e seguimos até à “Fontana di Trevi”. Uma obra magnífica (palavra que acompanha quase tudo em Roma e Itália) e um ponto romântico, não fossem as centenas de turistas sentados a fazer sala. Continuamos.

O Panteão, que data de 27 a.c., reconstruído em 125 d.c. é algo que surpreende, pois encontra-se num óptimo estado de conservação, apesar da idade. Ainda nem existia Portugal, já este enorme edifício era uma referência. Deixa-nos pequenos e obriga a traçarmos uma linha temporal e pensar que andamos por aqui muito pouco tempo. O melhor mesmo é usarmos o que nos resta para o que nos dá prazer, conforto e gratificação. O resto perde-se no tempo e com o tempo.

Depois de Roma, partimos para Florença por estradas rurais. Passamos no Lago Bolsena, perto de Viterbo. Uma aldeia antiga plantada no sopé da colina, escorrendo casas até à beira-água. Seguimos pelas estradas ladeadas por campos de cultivo até perder de vista. Paisagem próxima da nossa, muito semelhante mesmo. Fizemos uma pequena paragem nas termas de San Filippo e seguimos, depois, directos até Siena, na Toscana.

O famoso “Paleo di Siena” tinha sido na semana anterior. Pena. Mas a cidade é algo que nos deixa assoberbados com tamanha arte e monumentalidade. Cada casa uma história, cada rua um museu a céu aberto. O “duomo” de Siena e o Palácio Público são obras marcantes. A “Torre del Mangio”, por exemplo, concluída em pleno século XIV, conta com uns imponentes 102 metros (é a segunda torre medieval mais alta de Itália). Esta cidade entrou no meu coração e, depois de Praga, é sem dúvida a minha cidade favorita, mais pela componente arquitectónica, é certo, mas andar por aquelas ruas foi algo que me ficou impregnado na retina e não mais esquecerei.

De Siena fizemos o caminho mais directo para Florença. Entrámos por uma das pontes e, por entre “palazzos” e outros edifícios igualmente interessantes, fomos à procura de alojamento. Queríamos garagem para a moto e proximidade ao centro histórico, para poder andar a pé. Depois de alguns hotéis cheios, chegámos a um antigo palácio, transformado entretanto em hotel, que mereceu logo a nossa decisão de ficar. Por entre quadros e mais quadros, livros e mais livros, era um ambiente onde nos sentimos imediatamente bem. Cada pormenor, cada recanto estava povoado de memórias do proprietário, um italiano, dos simpáticos, com um estilo e aparência que nos fazia recordar os ingleses coloniais. Recomendou-nos um restaurante e lá fomos. Desta vez, mesmo ao virar da esquina. Era conveniente. Com a moto na garagem, podíamos – finalmente – beber um bom vinho italiano. E foi o que fizemos. O dia seguinte seria dedicado a Florença, por isso, já que estávamos alojados no coração da cidade, podíamos acordar um pouco mais tarde que o habitual. Jantamos iguarias toscanas, quase tudo acompanhado por saborosos e fresquíssimos tomates. Tudo aqui leva tomate. E ainda bem, pois é muito bom. O vinho era igualmente bom. Voltaríamos lá na noite seguinte para jantar. Seguiu-se um passeio nocturno pela cidade, terminado com um gelado artesanal, como são quase todos em terras italianas. Os gelados fizeram parte desta viagem e não sei se exagerámos, mas que souberam bem, lá isso souberam.

O dia começou com um bom pequeno-almoço à italiana e fomos à caça dos museus, das igrejas, das pontes, das estátuas e de tudo o que o nosso roteiro American Express nos levava a descobrir. Optamos pela versão “Itália”, menos desenvolvido, mas compreensivo o suficiente para nos levar ao que interessava. Evitamos desta forma levar na bagagem vários roteiros.

Impressionou-me o Palácio Pitti. Um enorme edifício construído por um importante banqueiro florentino, que queria rivalizar com os Médici. Curioso foi o facto de ter falido por causa deste seu sonho e o “palazzo” acabado nas mãos dos Médici, que o compraram e ampliaram. Hoje é um grande complexo de museus.

Achei Florença mais cosmopolita que Roma, muito mais limpa, calma e ordenada. Roma fora uma experiência mais cansativa, com grandes tiradas a pé. Florença mostrou-se bem mais calma e aproveitámos para fluir a um ritmo mais compassado.

O dia seguinte levou-nos a Pisa e Lucca. É interessante que já tinha estado nestas cidades há muitos anos, no final da adolescência. Hoje, passados cerca de 18 anos, Pisa foi a que mais me surpreendeu. Não pela torre, de que tinha ainda uma imagem nítida, mas tudo o que a circundava se havia esvanecido com os anos. Aproveitei então para tomar novamente conhecimento desta velha amiga. Assim que entrei na parte velha, perguntei a uns carabineiri se podia estacionar ali ao lado (onde estavam umas 5 scooters de média cilindrada e uma ou duas motos) ao que me responderam simplesmente: não! Ainda retorqui, mas já me tinha habituado à falta de cooperação e simpatia dos italianos. Apontei para as scooters, fiz-lhes um sinal com a mão, como que a dizer que assim é que se trabalha bem e segui. Tentei estacionar num parque com vigilância. Não reparei na proibição (entre dezenas de sinais que encimavam a entrada) e apanhei quase uma descompostura do vigilante, que gritava comigo. Perguntei-lhe onde poderia estacionar e o palhaço apenas disse que ali não. Ajudou muito, de facto. Mesmo à saída, um estacionamento para motos. Era de borla, mas o que eu queria mesmo era a segurança do estacionamento pago…

Lá fomos até à torre e ao baptistério, cada pormenor, cada contorno, cada pedaço de pedra mereciam uma foto. Depois da torre uma pequena praça e seguimos por entre palácios. Respirava-se a pujança que esta cidade teve em tempos. Seguimos depois para Lucca.

Embora já tivéssemos visto algumas fotos no nosso American Express, assim que avistei as muralhas, enormes, que circundavam toda a cidade, percebemos que era uma localidade muito especial. Lá fomos para o parque de estacionamento e fomos atacados verbalmente por dois italianos. Porra! É impossível estacionar em Itália em estacionamentos vigiados. Só conseguíramos tal proeza em Siena e já me questionava se não seria também proibido, mas o vigilante estaria entretido com qualquer outra coisa e não reparou!

Lucca foi outra experiência. Uma cidade bem preservada e que mantém a traça que a caracteriza. Andámos a pé pelas principais ruas e por muitas vielas. Adorei.

De regresso a Florença, a moto apanhou um final de dia especialmente quente e um sério congestionamento de trânsito. Jantamos num restaurante perto do hotel, depois de percorrermos algumas ruas em busca de algo que nos fizesse aquele click! Encontramos este, lemos a ementa e decidimos. Era mesmo isto! A comida era boa, mas a nota especial foi para o vinho. Devido ao calor, escolhemos um branco, fresquíssimo, da região de Veneza. Um varietal chardonnay, simples e frutado, com características organoléticas que apreciamos. Fresco, leve e… bom, o resultado foi um passeio nocturno pela beira-rio, tentando dar tempo à “digestão”. Afinal, no dia seguinte seguiríamos viagem para norte.

No dia seguinte, fizemo-nos à estrada pelo mesmo caminho do dia anterior: por Pisa. Infelizmente, devido ao mau estado geral das estradas italianas por onde andamos, tirando provavelmente o Norte, com troços melhores, demos uma forte batida por baixo, que mal senti, já que tive tempo de me levantar e ficar suportado apenas nos punhos e nos estribos. A Sandra disse que tinha ouvido um barulho estranho. Parecia algo a partir. Pouco depois, a moto começava a fazer um estranho barulho, que não identificava. Pensei em escape, cilindros, ou qualquer outra coisa. A Sandra apostava no escape. A minha BMW de 4 cilindros em linha fazia o barulho de uma boxer, parecia até um VW Carocha.

Entretanto parámos para combustível, outra vez e outra, e o consumo estava normal, entre os 4 e os 5 litros. Fiquei descansado e decidimos regressar a Portugal um dia antes do planeado. No posto seguinte parei para comprar óleo, mas nada da referência que queria. Fomos obrigados a sair da estrada e procurar, posto atrás de posto, até que, finalmente, encontrámos! Não era bem o que queria, mas teria de servir. Lá subimos a Ligúria até ao porto de Génova. Por causa do escape, pensei que o ferry podia ser uma opção razoável, mas só no dia seguinte partiria um para Barcelona. Seguimos então, por entre os infindáveis (e deliciosos) túneis italianos. Túneis e mais túneis. Túneis grandes, pequenos e assim-assim; para todos os gostos. Apreciei a protecção do sol. Foram muitos quilómetros com o fresco sempre presente. Até que saímos da auto-estrada e fizemos umas curvas na estrada nacional costeira, mas logo regressámos à auto-estrada. A moto não soava certo e preferimos não arriscar as curvas e contracurvas apertadas destas estradas. Dali até França seria um salto. Detestei as portagens intermédias a cada grupo de quilómetros. Entramos em França e senti alguma pena. As curvas do Mónaco e desta parte da costa francesa mesmo ali à mão… ficaria para outro ano, pensei. Também não dá tempo para tudo e existe sempre uma próxima vez.

O regresso fez-se com umas horas de chuva. Fomos obrigados a parar para vestir o fato de chuva. Metade para cada um. Eu levava casaco de verão e calças Gore-tex, a Sandra tinha um casaco que se mostrava impermeável, mas as calças não eram. Perfeito! Poupamos bastante espaço com isto e resultou! Eu vesti o casaco e a Sandra as calças e prosseguimos.

A partir de França, apanhamos centenas de carros carregados que se dirigiam para Marrocos. Eram famílias inteiras que pareciam levar a casa toda atrás. Entre paragens para comer e atestar, lá chegámos a Espanha. Decidimos fazer o regresso por Valência.

Foi um dia com pouco mais de 20 horas de seguida em cima da moto, apenas parando para atestar e comer qualquer coisa rápida. Tínhamos decidido que pararíamos quando um desse o sinal. Acabei por ser eu a decidir parar, com as costas “doridas” de alguns encostos de capacete da Sandra, que se deixava dormir. Ainda fiz alguns quilómetros sem a acordar, mas estava com receito de uma queda. Mais que cansado, também eu estava a ficar com sono. Consultei o GPS, que mostrou um hotel a cerca de 10 quilómetros. Seguimos até lá.

Eram 6 da manhã e perguntei ao recepcionista até que horas poderíamos sair. Simpaticamente (provavelmente com pena dos “malucos”: nós) disse-nos que podíamos ficar até às 15 horas. Aceitamos e ainda colocamos o alarme do telemóvel para despertar a tempo de tomar o pequeno-almoço e voltar a dormir. Saímos pelas 14 horas rumo a Albacete.

As estradas nacionais são boas, com as suas curvas, as rectas, todo um cenário que varia entre o seco e inóspito, mudando aqui e ali por vastas propriedades agrícolas. Gostei especialmente dos últimos quilómetros antes de chegar à região andaluza. Foi por lá que me cruzei com um casal numa BMW R1200RT, que regressava a Sevilha. Parámos num semáforo, sem vivalma na estrada. Trocamos algumas palavras, as motos têm destas coisas e provavelmente por partilharmos a mesma marca, serviu de desculpa para um dedo de conversa. Ainda seguimos juntos uns 100 quilómetros. Depois resolvi distanciar-me, para uma velocidade de cruzeiro mais confortável.

A experiência de atravessar a Andaluzia toda, com as formações rochosas como cenário de fundo e os milhares de hectares de olival, no norte, foi excelente. Quente, mas excelente. Ao passar Sevilha, o sol punha-se rapidamente, enchendo o horizonte de um resplandecente brilho avermelhado que fechava assim esta aventura a dois, numa moto, pelo sul da Europa. Ainda apanhámos umas dezenas de quilómetros de trânsito devido a uma faixa de rodagem cortada.

Já com o céu escuro, entramos finalmente em Portugal. Aproveitei para uma pequena paragem no posto fronteiriço do Guadiana, para esticar as pernas e pisar condignamente o solo nacional. Chegáramos ao al-Gharb al-Andaluz, ao Reino do Algarve… finalmente em “casa”. Cerca de 80 quilómetros depois, o destino final. Lar doce lar. A moto contava uns engraçados 4.444 quilómetros percorridos. Nem mais, nem menos!